Conexão África (7)

Quem tem craque vai mais longe

Que todos as impressões iniciais sobre a Copa se apaguem depois da estreia argentina. Contra a Nigéria, sem precisar ser brilhante, nem mesmo estável tecnicamente, o time de Diego Maradona foi o primeiro a jogar futebol de verdade aqui na África do Sul. E a razão é simples: ao contrário dos demais times que pelejaram na sexta e no sábado, eles trouxeram um fora-de-série na delegação. E isso, claro, conta muito quando o assunto é bola rolando. Lionel Messi, melhor jogador do mundo, confirmou em 90 minutos tudo o que se diz (de bom) sobre ele. Sabe fazer a bola colar nos pés – no que remete ao estilo do próprio Maradona – e investe furiosamente em direção ao gol inimigo, pronto a demolir qualquer defesa com suas fintas curtas e em velocidade. Nesse sentido, apesar de lembrar muitos outros jogadores brilhantes, Messi é inteiramente inovador por jamais desistir do arremate final, mesmo quando diante de beques gigantes como os da Nigéria.
Pelas estatísticas, Messi tocou na bola por quase 100 vezes na partida (foi, de longe, o mais assediado pela redonda no jogo) e disparou pelo menos oito tiros a gol, três deles com endereço certo, mas defendidos pelo bom goleiro nigeriano Enyeama. Mais impressionante ainda: o franzino meia-atacante caprichou na variação de repertório para confundir seus marcadores. Ora caía pela direita, como parece preferir, derivando um pouco para o centro a fim de disparar chutes colocados; ora saiu enfileirando adversários, da esquerda para a direita, até descortinar um espaço para o arremate. Outra marca dos craques, que Messi expõe a todo momento, é trabalhar com o tempo da bola e retardar por segundos o arremate, à espera da passagem do adversário. Fez isso o tempo todo, sem conseguir ser acompanhado corretamente pelos grandalhões da Nigéria. Além do prazer imenso que é ver um jogo fluir em busca do gol, ficou claro, ao longo de toda a partida, que a Argentina tem basicamente duas jogadas perigosíssimas, e ambas incluem Messi. A primeira, óbvia, é lançar o jogador esteja onde ele estiver, até junto à linha de meio-de-campo. Verón, Mascherano, Tévez, Di Maria, enfim todos, pegam a bola e lançam um olhar em busca de Messi. Aí fazem a bola chegar até ele, que sabe o que fazer – e normalmente faz muito. A outra jogadinha passa por Messi, que avança, toca para alguém próximo e sai correndo sem bola, para atrair a atenção da zaga. Enquanto isso, Higuaín ou Tévez surgem livres para receber o passe. Ontem, nenhuma dessas artimanhas deu certo, principalmente porque Higuaín finaliza muito mal e porque o goleiro estava em tarde inspirada.
Mas os futuros adversários que se previnam. Pela primeira vez, depois de tantas críticas da própria torcida argentina, Messi foi o Messi que arrebenta no ataque do Barcelona. A mesma crítica que se fazia a Ronaldinho Gaúcho em seus (bons) tempos de Barça também eram repetidas em relação a Messi, que nunca conseguiu reproduzir com a camisa da seleção as endiabradas atuações defendendo seu clube. Pois bem. Péssima notícia para os inimigos da Argentina: Maradona encontrou o lugar certo para seu craque no time. Erra feio quando não escala laterais de ofício e sobrecarrega Juan Sebastian Verón na cobertura, mas é brilhante ao deixar Messi flutuar entre a intermediária e o ataque, sem guardar posição fixa.
Vejo méritos de Maradona nessa história porque não é simples deixar um craque inteiramente à vontade numa seleção, ainda mais quando se trata
de um meia de origem, que não fica parado nunca. Pela sua própria história, Maradona foi cirúrgico. Messi fica à frente de Verón e Mascherano, ao lado de Tévez e atrás do centroavante, seja Higuaín ou Milito. Como se desloca com extrema velocidade, Messi pode aparecer de repente à frente de todos os atacantes e o ruim para as defesas é que nunca poderão prever quando isso acontecerá. Por via das dúvidas, eu recomendaria que alguém botasse uma placa à frente da concentração dos hermanos: cuidado, craque na área.  

Maradona, Dunga e o impulso primitivo

Acompanhei atentamente as movimentações de Diego Maradona a bordo daquele terno muito acima de seu figurino. Chegou distribuindo beijos para todos, consciente de seu carisma de astro definitivo da história das Copas. Corria feito um louco tentando orientar os jogadores, mas se curvava, humilde, quando a bola se encaminhava em sua direção – e ela, generosa, fez isso umas cinco vezes em todo o jogo. Fiquei a esperar que Diego tirasse a persona de técnico por uns segundos e fizesse umas embaixadinhas com a Jabulani. Só deu uma cavadinha no primeiro tempo, erguendo a pelota para seu zagueiro Heinze, mas logo se conteve, talvez para evitar constrangimentos para a maioria dos que estavam em campo. Nisso, os argentinos estão em vantagem também sobre nós. Caso a bola se dirija ao Capitão do Mato na lateral do campo, seu impulso primitivo será entrar de carrinho, levantando capim e estragando a grama. Ninguém foge à sua história.

A estreia de um favorito de sempre

Ozil foi o nome do jogo. Distribui passes longos, curtos, médios. Driblou e marcou. Só não fez gol. Um craque, sob o manto da simplicidade. Ele regeu essa Alemanha rejuvenescida, que ameaça ser uma das favoritas – como se em alguma Copa não tivesse sido. Pois a Fifa, contrariando a lógica dos fatos, escolheu Podolski como craque do jogo. Que se danem os analistas da Fifa. Oziel me encheu os olhos. Já o tinha visto em ação pelo Werder Bremen, mas ontem ele foi absoluto, tomando conta do meio-campo alemão com autoridade e talento, como não se via desde Paul Breitner e Hansi Muller. A goleada nasceu naturalmente do predomínio de jogo ofensivo sobre uma marcação confusa e até tosca dos australianos. Lahm continua um lateral formidável na simplicidade: desloca-se, recebe e cruza muito bem. Klose é um homem de área por excelência. É, os alemães chegaram e prometem ir longe. Sem esquecer que, com o frio que faz aqui, times europeus têm boas possibilidades.

Do infortúnio do goleiro diante do frango

O drama do goleiro inglês Robert Green, vítima de um frango desgraçado no clássico (mais no sentido geopolítico do que futebolístico) contra os EUA, entra para a história das Copas pela crueldade do lance. A bola aparentemente veio fácil de defender – digo aparentemente porque essa bola Jabulani não é de brincadeira e fica extremamente veloz quando toca no gramado – e Green se ajoelhou para agarrar. Deve ter tido um milionésimo de segundo de distração, pensou em alguma outra coisa enquanto a pelota escorria pelas suas mãos e rapidamente se transformava numa penosa de dimensões planetárias. Depois que o estrago estava feito, fiquei a lembrar do nosso Castor e a imaginar o que não estaria se passando pelo pensamento de Green, atordoado pelo registro de sua falha em dezenas de repetições do lance, em imagens HD e 3D. Nunca um frango foi tão tecnologicamente filmado. Até porque esta é a Copa das imagens transbordantes, que humilham até o olho humano pela nitidez. No Centro de Imprensa de Johanesburgo, assistimos
ao jogo num telão em 3D no cinema da Fifa. É desumano e injusto com um simples goleiro, que pode muito, mas não pode tudo. Errar faz parte da vida. Que Green encontre forças para se reerguer.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta segunda-feira, 14)

12 comentários em “Conexão África (7)

  1. Te contar, Gerson, esse time da Alemanha é muito forte e, acredito ser candidatíssimo ao título, juntamente com a Holanda.

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  2. É verdade, Gerson, Ozil e Podolski, comandaram a seleção daAlemanha. Se continuarem a jogar soltos, um abraço,sem contar com klose, um atacante que se coloca muito bem na área, com bom cabeceio e antecipação.

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  3. Interessante. Os times que foram bem nos ultimos amistosos, Alemanha e Holanda, nao eram os favoritos. Continuo achando que Espanha e Argentina sao os favoritos. Ja disse ha alguns dias que corriam por fora Brasil e Alemanha. Agora, pelo que jogaram ontem, os germanicos prometem fazer estragos nao somente nesta copa, mas tambem em 2014, porque o time e muito jovem e o tecnico muito inteligente.

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  4. Algumas seleções não oferecem resistência como a Nigéria (menos sofrível) e a Austrália. Não tira o mérito das vencedoras e nem os bons lampejos dos prodígios, mas ainda fico no aguardo de novos confrontos, estes mais nivelados, para dimensionar o favoritismo de algumas.

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  5. De fato, a Argentina, de Messi e coadjuvantes, resgatou o bom futebol que até então vinha desaparecido na copa. Todavia, logo em seguida, vieram Eslovênia e Argélia e cuidaram de deprimir tudo de novo. Ocorreu que surgiram os alemães e tornaram a elevar o nível. De registrar quanto a estes que a bola que jogaram pareceu, a mim pelo menos, um tanto mais consistente que a dos argentinos. Sem contar que diferentemente das outras copas onde o favoritismo, de regra, advinha da tradicional força e competitividade, nesta o time alemão também ostenta um bom número de jogadores habilidosos. De esperar para ver se quando o nível dos adversários também se elevar eles vão manter a pegada e a categoria. Torço tanto para que mantenham, quanto para que mesmo assim, se houver o confronto, o Brasil os vença. É sempre mais empolgante vencer de um adversário qualificado.
    Quanto ao Dunga e o Maradona, caso venham a se confrontar, espero que o primeiro tenha melhor sorte do que teve na última vez em que se enfrentaram como jogadores numa copa do mundo. Até hoje ainda recordo aquela jogada do Maradona para o gol do Caniggia. Conspira a favor desta esperança o resultado das eliminatórias e a mística de que nem sempre um fora de série nos gramados consegue o mesmo êxito como treinador. Aliás, um número enorme de treinadores bem sucedidos em copas do mundo (com ou sem título), não tiveram grande destaque como jogadores. Alguns até nem chegaram a jogar bola profissionalmente. Torço pelo Dunga, cuja performance como jogador, embora tenha ficado bem distante daquilo que se pode considerar uma virtuose, foi muitíssimo bem sucedida. O problema é o Messi, que a exemplo de seu técnico quando jogava, num dia inspirado é capaz de neutralizar qualquer conspiração.
    Falar em Castor, hoje aconteceu o primeiro gol contra da copa, anotado pelo zagueiro da Dinamarca. Não foi assim tão “bonito” e frustrante quanto o do atacante remista, mas, como anti-climax, certamente cumpriu muito bem o seu papel.

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  6. Calma lá, Gerson, Argentina pegou um time fraco e se enrolou no fim, perdeu gols, é verdade, mas passou sufoco. Acho que se esse resultado fosse do Brasil de Dunga ia ter muita chiadeira, mas como é da Argentina de Maradona…Continuo achando que a Argentina é candidata a decepção. Maradona? Do meio pra frente quem tem Veron, Messi, Tevez e cia não precisa de técnico, já pra montar um esquema defensivo é preciso saber treinar marcação, posicionamento, cobertura, saída de bola e isso Maradona não consegue, é muito respeitado por ser quem foi e fazer o tipo ex-boleiro amigo da rapaziada, mas não é um técnico bom.

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    1. Concordo e digo isso na minha análise, grande Maurício. Mas estive lá e fiquei impressionado com Messi. Joga muito e está à vontade como no Barcelona.

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      1. O Messi realmente é o melhor jogador da atualidade, de longe, impressiona a cada jogo, é brincadeira o que faz, parece um “novos” no supermaster, muda a direção do drible e a velocidade, ora acelerando, ora atrasando, como se fosse a coisa mais normal do mundo. É o Lionel Potyguar! Ainda bem que não estão lá Riquelme e Cambiasso.

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      2. Você tem toda razão. Maradona, como Dunga, tem suas pinimbas e deixou de fora Cambiasso, que é um baita volante e homem de ligação.

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