Sem rumo? Siga o cheiro da maniçoba

Por Elias Ribeiro Pinto, no DIÁRIO

1 Às vezes não dá vontade apenas de sair assim, sem rumo? Pode até deixar o carro na garagem, no estacionamento. Sair andando até aonde as pernas levarem. Mas aí você lembra da dor na perna, na dobradiça do joelho. Uma dor óssea, persistente, que não cede aos anti-inflamatórios comuns. Nem sequer ao emplastro Sabiá. E aí já pinta a neura. Será?

2 Então o melhor é viajar através dos livros, à roda do quarto. Você escolhe um entre os quinze mil livros à sua volta, se joga na cama e abre o volume. Mas algo o incomoda. Sente um desconforto na leitura. Claro, você esqueceu de desenganchar do nariz os óculos da miopia, os cinco ou seis graus (pois agora estão diminuindo, depois de terem crescido, os graus, ao longo dos últimos trinta e cinco anos). Mas agora, em (des)compensação, a oculista lhe passou óculos de leitura. Na verdade, para ler, você prefere dispensar estes parceiros de uma vida, os óculos. Melhor ler a olho nu. Os de leitura lhe servem, confortavelmente, para escrever diante do computador, à média distância. Tem hora que você já não sabe com quais dos óculos está, pois recusa os bifocais.

3 Mas deu para entender, não é? O(A) companheiro(a) já não depende apenas das próprias pernas ou dos olhos a descoberto para ganhar o mundo ou as páginas sem cancelas do livro. Alguma coisa está fora da ordem, diria o Caetano Veloso. Você já entendeu ou quer que eu desenhe? Só um momentinho, deixe pegar os óculos para desenho.

4 Outra doideira é o fato de, na livraria, já não saber se tem ou não em casa o livro que agora folheia, retirado da estante da loja. Desconfia que sim, deve ter um exemplar daquele título em algum canto da biblioteca doméstica, talvez numa outra edição, mas se decide a comprar de novo o livro. Afinal, o seu exemplar antigo dificilmente será encontrado em meio à rotação cabalística em que gravitam os livros de sua casa.

5 Você não pode ter todas as mulheres do mundo – mas nada o impede de tentar. Putz. Não era nada disso. Vou já levar no lombo um processo politicamente correto. Você não vai conseguir ler todos os livros do mundo. Era o que eu ia escrever. Quer dizer, olhando os livros aqui em minha volta, em torno da mesa do computador em que escrevo o texto que se vai compondo na tela e vocês estão lendo neste momento, vendo os volumes espalhados ao redor, nem a estes terei tempo de lê-los todos. Bem, mas posso tentar, nada me impede. O sono me impede. É, quando os levo para a cama, depois do trampo diário, mais o tempo da escrita, o sono me abate com poucos minutos, ou capítulos, de leitura. Capitulo. O Walter Benjamin dizia que livros e prostitutas podem ser levados para a cama. Nem vou desenvolver esse tema. Mas houve tempo. Houve tempo.

6 Bem, era isso. Quer dizer, não era nada disso. E aquela cervejinha, está de pé? Para animar a discussão da eleição, do segundo turno? Olha, neste caso, para encerrar logo essa discussão, milito com o Millôr Fernandes. Que dizia, naquelas suas frases célebres pela precisão dos contrários, do oximoro que imanta contrários. Eu não gosto da direita porque é de direita. Eu não gosto da esquerda porque é de direita. Mas não gosto, acima de tudo e de todos, do Liberal. E não estou me referindo ao José Guilherme Merquior, a quem continuo apreciando muito, apesar dos oximoros que nos afastam aqui e ali.

7 Sem rumo? Então siga o cheiro de maniçoba que vem de todos os cantos. Elementar, meu caro leitor.

Um comentário em “Sem rumo? Siga o cheiro da maniçoba

  1. Valeu Elias pelo bom Texto.Dentro do Texto,gostei muito quando da citação do Ensaista e Escritor Alemão Walter Benjamim,como estamos em Periodo Eleitoral no Brasil,nada mais justo de que fazer uma pequena homenagem aos políticos,ao citar aqui, uma das”Pérolas”do Escritor:”Deus é quem nutre todos os Homens,e o Estado é quem os reduz a fome”.Um abraço Elias, gosto muito dos seus artigos e textos.

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